Escrevo-lhe porque há coisas que, por mais que tente, ainda não consigo dizer em voz alta. Ficam presas na garganta, escondidas atrás de um sorriso ou de um “está tudo bem” automático. Mas a verdade é que não está tudo bem — e talvez escrever seja a única forma que tenho, neste momento, de ser completamente honesto.
Desde que fiquei nesta cadeira de rodas, tenho tentado adaptar-me, seguir em frente, mostrar força. Mas há dias em que me sinto profundamente cansado. Não apenas fisicamente, mas emocionalmente… espiritualmente, talvez. É como se houvesse um peso invisível que carrego comigo para todo o lado — e não me refiro ao peso da cadeira.
Perdi coisas que, para quem anda, parecem insignificantes. Levantar-me da cama e caminhar até à janela. Subir um passeio sem pensar. Sentar-me no chão e levantar-me sem ajuda. Essas pequenas liberdades, que eram minhas e que agora não são. E com elas, perdi também um pedaço de mim. Não sei bem quem sou agora — e isso assusta-me.
Sinto-me constantemente observado. Julgado, às vezes. Como se esta cadeira dissesse tudo sobre mim, antes sequer de eu abrir a boca. E isso isola-me. Há dias em que evito sair, não por falta de vontade, mas por medo. Medo de precisar de ajuda. Medo de não caber no mundo como sou agora.
Tenho vergonha de sentir esta tristeza. De sentir inveja de quem anda. De, por momentos, não querer mais lutar. Mas também sei que preciso de falar sobre isto — ou escrever, pelo menos — porque guardar tudo só me está a consumir por dentro.
Sei que o caminho é longo. E sei que a recuperação emocional não é feita de atalhos. Mas precisava que soubesse que, por trás de cada progresso que celebro na terapia, há também perdas que ainda estou a aprender a aceitar.
Obrigado por me ouvir, mesmo quando eu não consigo falar. Obrigado por me ajudar a reconstruir — devagar, ao meu ritmo — a pessoa que sou.
Com respeito e gratidão,
[assinatura do paciente]
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